Por que filmes baseados em games são ruins?

Principe da Pérsia, uma das adaptações de franquias de game mais recentes do cinema

A indústria de games vem se tornando cada vez mais representativa e lucrativa, e aos poucos tem tomado espaço em nossa cultura. Por causa disso, o cinema busca uma forma de atingir também essa fatia de público, com adaptações de grandes franquias (ou pelo menos que estão em destaque) para a tela grande.

Até aí, tudo lindo e maravilhoso, exceto pelo fato que a grande maioria desses filmes (até mesmo arrisco a dizer todos eles) é péssima. Isso é senso comum, não só pelos fãs do material original mas também pela crítica especializada.
 

Mas você já parou pra pensar por que?

A maioria das pessoas com quem eu conversei até hoje responde na lata: falta de fidelidade ao material original. Mas é só mesmo isso?

Terror em Silent Hill, uma das adaptações mais fiéis ao material original, ainda assim é um filme ruim

Cada geração de novos consoles e tecnologias para a produção dos games faz com que o cinema e os jogos andem mais juntos. O boom dessa combinação é bem perceptível com o Nintendo 64 e Playstation, quando os jogos começaram a incorporar cada vez mais elementos da construção cinematográfica. O exemplo mais claro disso são as cutscenes (também chamadas de cinematics, vejam só), mas a influência se estende também à construção visual e de detalhes nos cenários, estética, ângulos de câmeras e, por fim, elaboração de trama e roteiro. Tudo isso culminou, hoje em dia, em jogos como Heavy Rain e L.A. Noire, que nada mais são do que filmes interativos.

Só que para isso realmente ser um fato, a indústria de games teve muito o que aprender, e a maioria das adaptações feitas para cinema são de games desse “período de transição”. Chegamos aonde eu queria.

Video Games são baseados em ações, ponto final.

Um dos fatores determinantes para a construção de um roteiro de cinema é a personagem. E jogue a primeira pedra quem nunca se pegou zapeando pela tv e parou para assistir a um filme por causa da identificação com o personagem. Abrindo para um universo macro, em qualquer jogo de video game quem faz o protagonista é você e suas escolhas durante o jogo. E são poucos os jogos que te dão algum histórico de vida, caráter e emocional do personagem.

Red Dead Redemption (que até hoje não foi adaptado, graças a Deus) é um bom exemplo. Você pode muito bem ignorar os acontecimentos que de fato te contam alguma história e ficar andando pelo Velho Oeste roubando ou ajudando pessoas, criando sua própria reputação seja de vilão ou mocinho. Isso pode não necessariamente condizer com o carater do protagonista, John Marston, apresentado pela trama “oficial”. E, veja bem, estamos falando de um jogo da atual geração de consoles.

Se voltarmos no tempo, a coisa se agrava, como na adaptação de Super Mario Bros, lançada em 1993. Pare para pensar três segundos e me diga o que fica claro na trama dos games fora o fato de Mario e Luigi serem irmãos, encanadores e viverem no mundo completamente surreal de Mushroom Land? O envolvimento do Mario com a princesa é real? Quais são as motivações para salvar Peach toda a vez que Bowser a sequestra?

Em Resident Evil, por exemplo, os backgrounds apresentados para cada personagem são apenas ganchos para justificar algumas habilidades ou desvantagens individuais. Em RE1 do PlayStation, jogando com Chris você só consegue fazer o V-Jolt com a Rebecca, pois ela é formada em bioquímica. No cenário de Jill, quando você ganha o lockpick de Barry, ele diz que a personagem é a “Master of Unlocking”, e que o item vai ser mais útil pra ela do que para ele. Isso se repete em RE2, com Claire somente sabendo manejar armas por ser irmã de Chris. Posso continuar por horas e horas, com exemplos vindos de Resident Evil Zero, CODE: Veronica e outros.

História como premissa para o gameplay

Resident Evil usa elementos cinematográficos de filmes clássicos de zumbis, como Amanhecer dos Mortos, de George Romero, para criar uma imersão mais intensa. Exemplos? O desenvolvimento da trama, trilha sonora, estética e a ambientação baseada em cenários genéricos de filmes de terror, como mansões mal assombradas, corredores estreitos e cidades tomadas por mortos-vivos. O único problema é que tudo isso é apenas uma condição para que o gameplay aconteça, e esse detalhe não é exclusividade do jogo da Capcom.

Como os jogos de video game são baseados em interatividade e ações tomadas pelo jogador, a história na maioria dos casos é apenas um artificio. O importante ali é como o jogador vai interagir ou se os controle serão facilmente assimilados, por exemplo. Já no cinema, como um meio completamente passivo, a história a ser contada é 100% da construção. Os personagens, suas motivações pessoais e diálogos são essenciais para que o conflito se desenvolva.

Diferente de outros materiais, como livros e histórias em quadrinhos em que a narrativa também é o foco principal da obra, quando um game é adaptado, o cerne acaba sendo removido, e sobra muito pouco. Apesar da história ser um elemento importante, ela não representa muito mais do que 30% da construção de um bom jogo.

Como sempre, existem exceções, tipo os já citados L.A. Noire e Heavy Rain. Ainda assim, são apenas dois jogos em uma montanha de games lançados todos os dias, e muitos deles não tem um foco tão grande na história.

alice, matt, spencer e rain em resident evil o hospede maldito

Resumo da ópera, um dos grandes problemas da transposição de um jogo de video game para o cinema é o equilibrio entre diálogo, ação e narrativa visual. Isso quase não existe, na maioria dos jogos, pela falta da presença no material original. No final das contas, o roteirista tem que rebolar na hora de escrever, seja criando novos personagens ou adaptando o material existente de forma que forme um conjunto coerente. E isso normalmente não está dentro das expectativas de quem joga.

Um dia isso vai mudar?

Como eu já adiantei no começo do texto, os games sim estão ficando mais elaborados
em questão de narrativa, e isso pode acabar rendendo materiais melhores para a
adaptações cinematográficas. Ou até mesmo as dispensar. Isso em um mundo ideal.

Ai eu lanço dois pontos, um chato e outro polêmico. Mas os dois são realistas:

1) Vivemos em uma sociedade capitalista, meu bem. E deixa eu te dizer, com
a quantidade de grana que é injetada na produção de um filme os estúdios não estão, e nunca vão estar, dispostos a correr riscos. Os grandes campeões de bilheteria (fora
algumas excessões de filmes independentes que ganham o carinho do grande público).
por mais que você chore grite e esperneie, são os filmes pipoca, como Piratas do Caribe, Avatar, Homem de Ferro, Batman.

As adaptações hoje em dia são encaradas como uma via de duas mãos, tanto para
os estúdios que fazem os filmes quanto para as produtoras de jogos – os jogos trazem
público para o cinema e o cinema leva público para os video games. E tudo isso é dinheiro entrando.

2) Filme, assim como qualquer outra peça de entretenimento e cultura, é destinado para
um nicho especifico, que no caso das adaptações são os adolescentes. Por mais que o jogo carregue um grande apelo emocional com os jogadores, sejam eles jovens ou adultos, isso não modificará o público para o qual os filmes são voltados.

E deixa eu te atualizar na realidade: o que adolescente curte mesmo é um filme de ação,
com gente foda, que pode ter ou não super poderes, chutando bundas e não se importa
muito com a história não. Levando em conta que a trama não é o aspecto principal de muitos jogos, ela fica em segundo lugar também no cinema.

Bom, se você tem interesse e quer se aprofundar mais sobre o assunto sugiro que comece pelos links abaixo, todos são textos que eu usei como referência para escrever esse artigo.

Extensões da Realidade
http://www.massarani.com.br/FGHQ_extensoes.html

Criação de Personagens – Nível Básico
http://www.massarani.com.br/Rot-Criar-Personagens-Roteiro-Cinema.html

Elementos Fundamentais de uma História
http://www.massarani.com.br/Rot-Historia-Roteiro-Cinema.html

A History Of Failure – Why Video Game Movies Suck
http://themovieblog.com/2008/10/a-history-of-failure-why-video-game-movies-suck

How to Make a Video Game Movie That Doesn’t Suck
http://www.e-gear.com/blog/how-make-video-game-movie-that-doesnt-suck-301047

CNN Investigates Why Videogame Movies Suck
http://www.1up.com/news/cnn-investigates-videogame-movies-suck

Uncharted Movie Problems – Why Video Game Movies Suck: Sessler’s Soapbox
http://www.g4tv.com/thefeed/blog/post/709830/uncharted-movie-problems-why-video-game-movies-suck-sesslers-soapbox/

Watching Games And Playing Movies: The Influence Of Cinema On Computer Games
http://www.gamecareerguide.com/features/234/masters_thesis_watching_games_.php


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Autor: Carol Tod Ver todos os posts de
Carolina Tod é designer, apaixonada por cultura pop e Resident Evil. De 2008 a 2011, participou da equipe do site REVIL.

9 Comentários em "Por que filmes baseados em games são ruins?"

  1. Junio César 27/05/2011 at 23:13 -

    lindo artigo, parabéns *_*

  2. Conrado Dittrich 28/05/2011 at 03:25 -

    Adorei o artigo…
    Mas discordo que Silent Hill é um filme ruim… O filme explora bem o lado do terror psicológico dos games e isso funcionou bem, ao meu ver, para o filme….

    Em relação aos filmes adaptados “serem ruins”, eu acho que isso é pela limitação que um filme traz á toda a história, contexto e originalidade dos games…

    É impossível transferir tudo o que foi feito em um game (onde tudo se pode criar) para um filme de, nos máximo, 2 horas…

    Eu acredito que, apesar dos fãs nunca gostarem das adaptações, algumas delas tem seus pontos fortes em relação ao cinema.
    No caso, quem nunca jogou um desses jogos, podem gostar dos filmes e acabar até jogando esses games por curiosidade…

    Resumindo: Eu acho que games e filmes são coisas distintas, mas que devem se focar em uma coisa: Qualidade!

  3. Carol Tod 28/05/2011 at 12:44 -

    Eu pessoalmente gosto muito de Silent Hill, e a maioria das pessoas com quem eu conversei acha ele legal, mas isso se limita a quem não entende muito de cinema. Se você olhar no Metacritc há uma diferença bem grande entre a nota dos usuários e a média tirada entre 20 criticas http://www.metacritic.com/movie/silent-hill o que pode sim classificar o silent hill um filme ruim em termos de cinema. Silent Hill é um filme agradável, mas passa longe de ser um filme realmente bom.
    Video game e cinema, assim como todos os outros meios são sim meios distintos. Em um links que eu coloquei de referência é um vídeo de um cara do G4 discutindo isso, que as coisas são diferentes e que a industria tem mania de querer trazer uma história para outros meios, ele fala até mesmo que Apocalypse Now (que ganhou vários prêmios inclusive alguns Oscars) é uma adaptação filme ruim, que ele só é agradavel de ser visto.
    E pra mim Silent Hill é a mesma coisa, os diálogos são ruins, a narrativa é meio confusa onde o final fica perdido. Porém os pontos fortes dele são o apelo visual, os efeitos, a transposição de elementos da trama feitos com sucesso. Mas fica só nisso mesmo.

  4. Lucas Nascimento 31/05/2011 at 11:38 -

    Acho o filme do Prince of Persia MUITO, mas MUITOOOOOOOOOOO bom!

    E nao podemos generalizar, porque, SIM, existem filmes, vindo de games, que sao bons. o POP é um exemplo disso.

    Achei o segundo filme de RE muito bom tambem.

    E achei o primeiro filme de MK muito bacana, tenho até em DVD.

    E quem dirá o primeiro filme do Street Fighter!

    São fieis aos games, mas , trazendo para os dias atuais, eles não sao obras primas mais.

    Só nao podemos generalizar, como fez o artigo.

    Falow.

    • -Evil Shady- 31/05/2011 at 12:46 -

      Nossa, o filme de Street Fighter nem de longe é um filme fiel aos jogos =/
      O mesmo vale para o segundo Resident Evil, mas nem é disso que o artigo trata na real.

      Dos que vc citou, apenas o Prince of Persia e o MK realmente carregam alguns traços de fidelidade ao material original, mas daí a serem filmes realmente bons, eu não acho tb.

  5. Rafael B. Silva 13/06/2011 at 07:03 -

    ainda nem lançaram o filme do Devil May Cry (http://www.youtube.com/watch?v=1FLohRN0t0E&NR=1) pra falar a verdade eu nem sei se essa p%¨#a desse video é sobre o filme do devil may cry mesmo, mas já podemos perceber o quão fora da linhagem esse filme será. já começa do DMC 4. os personagens são tão ridiculos ( apesar de serem o Dante “badass” e a m#$@a do Nero), os efeitos são de programas baratos e os movimentos são tão ridiculos quanto os personagens. eu coloquei num comentário que aos 0:21 segundos aparece duas pessoas que não tem nada a ver com o vídeo. é como se tivessem começado a gravar sem ter esperado a equipe de produção se por em seu devido lugar.
    enfim… uma porcaria.
    agora, não entendo porquê o Evil Shady falou que o filme do street não é fiel. bom, eu particularmente adorei o Guile ( van damme) lutando contra o Bison. pode até não ter sido 100% fiel com hadouken, horyuken e tatsumaki senpukyaku ( o conhecido atequi-tetuguen), mesmo assim ficou super legal.
    e que tal um filme do GOD OF WAR??? THIS IS SPARTA. bom, o kratos é spartano… eu já até tenho o ator ideal pra ele: Djimon Hounsou. sei que ele é negro, mas até seu porte físico é parecido com o do Kratos, até a “barbixa”.
    esperemos por esses filmes comentados “on my comment” e que não sejam patéticos tanto quanto o DMC está parecendo.

  6. Vector 02/10/2011 at 03:21 -

    Bom, isso é verdade, mas com o passar do tempo, a tecnologia vai ajudando! É, pelo menos eu acho, que os filmes Resident Evil foram otimos, tanto pelo elenco quanto pela produção e por ser fiel aos games. Mas boa parte dos fãs, não curtem… Acho que um filme realmente fiel ao jogo, tem que ser em GC, pois acho que nenhum ser humano faz o que um personagem de jogo faz. Ri das cenas do ‘filme’ do Super Mario, pois quem o produziu, realmente, não estava em seus melhores dias.

  7. LucasN 07/03/2012 at 22:08 -

    Achei Principe da Pérsia, fiél ao jogo e muito bom.
    Outro filme baseado em jogos foram os da série Tomb Raider, foram fiéis ao jogo, mais faltou muita coisa no filme, A Lara Croft ficou perfeita,mais aindasim espero que quando lançem o 3° Seja ainda melhor.
    Resident foram filmes legais, porém nem um pouco fiés ao jogo. ;x

  8. João Paulo 05/04/2013 at 15:51 -

    Vi poucos filmes inspirados em Games, mas acredito que por mais difícil que seja adaptar, o Prince of Persia foi um exemplo que é possível fazer um filme bom. Claro que foi fiel ao Sands of Time e eu sou muito mais fã do jogo clássico.
    Entretanto, vi outros que foi uma decepção e tanto: Street Fighter, Doom e Max Payne.
    Também gostei do Resident Evil como filme de ação, mas nunca joguei o game então não tenho como avaliar por mim. Mas houvi críticas dos fãs dizendo que distorceram totalmente também.
    Resumindo: não crio expectativa para nenhum filme inspirado em game. Se for do diretor Uwe Boll então, aí só resta lamentar…