A indústria dos video games, assim como a do cinema, literatura e tantas outras, apresenta uma mistura sutil de inovação, evolução e padrões. Para cada título que cria novas bases ou modifica formas de pensar e, nesse caso, jogar, existem uma série de outros que seguem estilos pré-estabelecidos ou inovam a partir de bases já firmadas por outros produtores. Com Resident Evil não é diferente.
O primeiro game da série, lançado em 1996, e Resident Evil 4, de 2005, são considerados marcos não só para a franquia como para toda a indústria. Foram os dois jogos que revolucionaram a própria série e firmaram novas bases para todo o mercado. Mas mesmo esses dois títulos podem ser encaixados em uma cronologia de fatos que propiciaram seu surgimento.
Shinji Mikami e a primeira inovação
Em 1995, Shinji Mikami já acumulava um histórico de sucessos consideráveis na Capcom. Apesar de não ter trabalhado em grandes blockbusters, o produtor criou alguns jogos considerados sucesso de crítica e público no início dos anos 90. Títulos como Goof Troop e Alladin, ambos para o Super Nintendo, garantiram a ele o direito de produzir uma nova franquia do zero.
A Capcom tinha uma única condição para isso: que Mikami utilizasse algumas das bases de Sweet Home, um antigo game para NES, da própria desenvolvedora, que havia obtido relativo sucesso no Japão. A ideia, provavelmente, era trazer alguns dos conceitos do título para uma audiência global, como os personagens com diversas habilidades e a história passada em um local fechado.
Unindo isso a uma grande inspiração do cinema de terror americano, Mikami lançou Resident Evil em 1996. Apesar de não ter criado um gênero – o primeiro game a ser considerado “survival horror” foi Alone in The Dark, de 1992 – foi ele que estabeleceu um estilo que seria seguido por muitos títulos futuros. Corredores escuros, pouca munição, monstros a cada esquina e um personagem vulnerável, colocado em uma situação de risco com pouquíssima informação sobre o que está acontecendo. Tais fatores se tornaram essenciais para qualquer game de horror da época.
Fatores de mercado também foram bastante relevantes na transformação do primeiro Resident Evil em um sucesso. A volta dos zumbis tinha grande apelo com o público adulto ao qual o título era destinado. Essas pessoas haviam crescido vendo os mortos-vivos tomarem conta das telas de cinema e, agora, poderiam tomar parte na batalha contra eles.
O caminhar da indústria dos games também teve parte na criação de Mikami. Em março de 1996, o PlayStation passava por seu segundo ano nas lojas e, até o momento, contava com pouquíssimos jogos de terror. Além de um novo estilo, a primeira aventura de Chris e Jill também trouxe algo que os jogadores ainda não haviam visto na nova plataforma. A receita de sucesso era certa e Resident Evil venderia 2,7 milhões apenas em seu console de origem.
Traçando o caminho
Durante a era PlayStation, Resident Evil permaneceria como sinônimo absoluto de terror nos games. Com sucesso ou não, uma série de outros games tentaria se encaixar nos mesmos moldes da recém surgida franquia. Títulos de sucesso surgiram, como Dino Crisis (da própria Capcom) ou Silent Hill, enquanto outros tentaram inovar a fórmula, sem sucesso, para seguir seus próprios passos. É o caso, por exemplo, de Covert Ops: Nuclear Dawn, jogo que tentou aplicar a dinâmica de RE aos jogos de tiro.
Enquanto isso, a Capcom aprendia com a crítica e, a cada game, melhorava as falhas de seu título anterior ou adicionava novas características. Em Resident Evil 2, houve significativa melhora no sistema de controles e a história passou a acontecer em duas frentes diferentes. A sequência, RE3: Nemesis, tornou a jogabilidade ainda mais leve e trouxe um sistema de esquiva, novidade no gênero que também propiciou a criação de inimigos mais rápidos.
Perdidos na segunda geração
Quando se fala em jogos de terror, Resident Evil permaneceu como uma unanimidade durante a era PlayStation. O mercado, porém, estava mudando e, com o passo para a próxima geração, veio também uma mudança na visão dos jogadores com relação aos títulos. Para a Capcom, tratava-se de se reinventar ou ficar para trás.
De forma a desenvolver um game que aproveitasse todo o potencial dos consoles de 128 bits – e também observar o que era possível fazer com essa nova tecnologia -, a Capcom contratou a Nextech (atual Nex Entertainment) para produzir Resident Evil CODE: Veronica. O título foi a primeira tentativa de aplicar os conceitos antigos da série em um novo motor gráfico. Apesar do sucesso de crítica e público, o game passou longe de ser um best seller e fez com que a Capcom repensasse sua direção.
Enquanto isso, uma nova era de jogos era iniciada no PlayStation 2. As inovações de controle criadas pela Sony deram abertura para uma jogabilidade mais ágil e títulos que exigiam mais precisão do jogador. Enquanto o novato Kratos surgiu destruindo tudo em God of War, velhos ícones tiveram de se reinventar para sobreviver. Snake se tornou ainda mais preciso e passou a atirar em primeira pessoa em Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty, enquanto o Príncipe da Pérsia aprendeu a pular pelas paredes em Sands of Time.
Com a união cada vez mais frequente do terror com a ação rápida, a série Resident Evil acabou caindo em um limbo. Para a Capcom, era hora de rever o caminho a ser seguido.
Shinji Mikami e a segunda inovação
De volta ao posto de diretor, Shinki Mikami foi o responsável por uma reformulação completa da série. De forma a compactuar com o desejo da geração que comandava o mercado na época, ele transformou Resident Evil em um game de ação muito mais dinâmico, sem clausura e com inimigos inteligentes atacando de todos os lados utilizando os mais diferentes tipos de armas.
A ação e a precisão permitida pelos disparos de Leon Kennedy atingiram em cheio os anseios dos gamers da época. Apesar das críticas de uma grande parcela dos fãs da série, que reclamavam sobre o sumiço dos zumbis e do horror tradicional, Resident Evil 4 trouxe a série de volta aos holofotes da mídia e ao coração dos jogadores. O game foi considerado um dos melhores da geração 128 bits e ultrapassou a marca de 5 milhões de cópias se somadas as versões PlayStation 2, GameCube e Wii.
Resident Evil 4 seria o último game da série principal a aportar na geração do PlayStation 2. Menos de um ano após o lançamento do título, o Xbox 360 estava chegando às lojas e traria consigo uma característica que não apenas reformularia a franquia da Capcom mais uma vez, como seria responsável por uma mudança completa na experiência de se jogar video game.
O reino do multiplayer
A partir de agora, era praticamente um requisito essencial para um console estar permanentemente conectado à internet. A Sony, com seu PlayStation 3, apenas confirmou essa regra iniciada pela Microsoft e ambos, juntos, deram o pontapé inicial da era dos jogos online. É importante citar, nesse ensejo, que a Capcom já havia experimentado o mundo da jogatina pela internet com Resident Evil: Outbreak, mas a ausência de um modem nativo, uma arquitetura voltada para isso e, acima de tudo, a ausência de uma cultura de jogos com multiplayer online minaram o sucesso da empreitada.
Com isso, uma nova leva de games de ação surgiu e um título em especial se tornaria o principal detentor da coroa de “rei do multiplayer”. Com Call of Duty: Modern Warfare, o mundo aprendeu que estourar os miolos de um jogador que mora a quilômetros de distância era muito mais divertido do que acabar com inimigos controlados pela inteligência artificial. O sucesso sem precedentes da sequência do game da Activision serviria apenas para marcar tal ideia em pedra.
A Capcom, claro, estava de olho nessa tendência e queria mergulhar de cabeça no multiplayer com o novo título de sua principal franquia, que sofria influência de um grande nome da indústria: Gears of War. Em Resident Evil 5, vimos a inclusão de uma jogabilidade completamente focada no modo online cooperativo, com a renovação de uma tradição da série. Agora, e pela primeira vez, a dupla de protagonista permaneceria unida durante todo o tempo, permitindo que dois jogadores (localmente ou pela internet) pudessem participar da ação.
Todos os quebra-cabeças e batalhas contra chefes de fase foram construídos com isso em mente e, em 100% das vezes, exigia a ação dos dois personagens simultaneamente. O tradicional modo Mercenaries também sofreu uma renovação e se tornou uma verdadeira galeria de tiros, com jogadores de todo o mundo comparando seus resultados na matança de Majinis por meio dos rankings online.
O modo Versus, lançado como DLC menos de um mês após a chegada de Resident Evil 5 às lojas, veio para firmar de vez o foco do game no modo online. Agora, os jogadores não podiam apenas comparar seus resultados mas passaram a competir entre si. O conteúdo também adicionou uma opção não era acabar com os monstros, e sim com os outros jogadores. Os fãs de Call of Duty não poderiam estar mais satisfeitos, assim como a Capcom, que viu seu game ultrapassar a marca das 5 milhões de cópias vendidas.
Jogos alternativos, mas igualmente antenados
As tendências e rumos do mercado de jogos também influenciam os rumos que são seguidos pelos jogos alternativos da franquia. A chegada do Nintendo Wii e seu sensor de movimentos, em 2006, iniciou um movimento na direção de jogos mais intuitivos e acessíveis, voltados para públicos variados.
Essa tendência também se fez sentir em Resident Evil com os games da série Chronicles. Lançados em 2007 e 2009, respectivamente, traziam resumos dos jogos anteriores da saga e apresentavam a franquia a novos jogadores. Além disso, utilizavam uma das funções mais óbvias do Wii Remote: a transformação dele em uma arma para jogos de tiro sobre trilhos.
Os títulos exigiam que o jogador chacoalhasse o controle para recarregar a arma e colocou-os na visão dos próprios personagens. Além de uma síntese das tramas originais, os jogos serviram para dar novos olhares às tramas antigas e acrescentar pequenos fatos às histórias. Assim, a Capcom pretendia atingir a todos os tipos de público, desde os novatos até os aficionados pela franquia.
Lançamentos motivados pelas tendências de mercado também podem ser percebidos claramente na atual safra de jogos da série. Agora, a Capcom tenta perseguir públicos distintos dentro de seu universo de fãs e fora dele, oferecendo opções de todos os tipos. Tudo isso, claro, sem criar jogos centrais para a franquia o que, para a desenvolvedora, é representado pela série numerada.
Na teoria, pelo menos, Resident Evil: The Mercenaries 3D é o game perfeito para um console portátil. Voltado para partidas rápidas e com ação desenfreada, o game abre mão da história para focar única e exclusivamente no extra. Aqui, não há uma jogabilidade extensa nem reviravoltas surpreendentes. O game se resume a partidas rápidas e divertidas.
Já Resident Evil: Revelations segue o sentido exatamente oposto. Com grande foco na trama e em adicionar novos pontos à história central da série, o game mostrará mais uma missão de Chris e Jill (acompanhados de novos companheiros) à serviço da B.S.A.A.
Com o título, a Capcom também atende ao pedido de uma parcela dos fãs e traz de volta o antigo terror pelo qual a série ficou conhecido. Apesar de utilizar a jogabilidade de Resident Evil 4 e 5, o jogo se passa em corredores apertados e com poucos inimigos, além de utilizar os efeitos tridimensionais do Nintendo 3DS para ampliar a sensação de imersão e incentivar a exploração de cenários em busca de itens ou resolver enigmas.
Uma terceira iniciativa surge com Resident Evil: Operation Raccoon City, que está sendo desenvolvido pela Slant Six. O foco, mais uma vez, é no modo multiplayer, tanto competitivo quanto cooperativo. O jogo tem como um de seus panos de fundo o combate entre soldados do governo e as forças especiais da Umbrella, todos presentes durante o incidente em Raccoon City.
Aqui, a ideia é ampliar ainda mais o combate do modo Versus de Resident Evil 5. Apesar de conter diversos elementos da série, o game é um shooter por excelência e exigirá que o jogador saiba coordenar suas equipes de ataque e utilize as habilidades específicas de cada agente da melhor forma possível. A influência direta é da série SOCOM, game de ação exclusivo de consoles da Sony.
Segundo Masachika Kawata, produtor do game, a ideia da Capcom, a partir de agora, é levar a série adiante de diversas formas diferentes. Operation Raccoon City e Revelations são dois exemplos mas, de acordo com ele, ainda não é possível dizer qual o rumo que a série, como um todo, irá tomar. As declarações foram dadas ao site Kotaku.
A verdade é que, realmente, não é possível precisar qual a direção da série daqui para a frente, já que a própria Capcom afirma que Resident Evil 6 será um game diferente de todo o resto. Mas uma coisa é certa: seja qual for o rumo dos jogos daqui para a frente, ele com certeza envolverá a resposta do mercado aos títulos e a própria evolução da indústria de jogos. Aquilo que se tornar um padrão provavelmente será visto em algum game da série, mais cedo ou mais tarde.
RE4 sempre foi um game muito injustiçado realmente. Muitos não compreenderam o objetivo do jogo. Foi um título fundamental para a sobrevivência da série. Colocou RE de volta ao seu patamar de sempre. (pena que em face do port para PS2 ter sido feito, o Mikami tenha deixado a Capcom…). Mas é sempre bom ver que alguém consegue enxergar com clareza os eventos desde 1996 até hoje. Um artigo MUITO bom. Parabéns, Evil.
Olá Shady, parabéns pela matéria… acompanho a série Resident Evil desde o início e apesar de não ser um jogador assíduo, estou sempre ligado às notícias que saem e curto muito a história do game que apesar de batida, tem lá seu charme… Em toda essa “estrada” da Capcom na expansão da franquia, é importante notar que, com o passar dos anos entre um game e outro da série principal, a produtora sempre se fez lembrada com seus RE’s, seja em jogos para celular, seja nas side stories, enfim… nunca se deixava de ter uma novidade com o nome Resident Evil em algum dos consoles que tínhamos em casa. Com certeza o futuro da série está garantido, mesmo não tendo Mikami à frente da produção, e acredito que ainda podemos esperar grandes surpresas para futuros títulos, que continuarão marcando os games da franquia como “hits” entre os gamers.
Mais uma vez parabéns pelo site e pela matéria e particularmente, aproveitando a deixa, ainda estou no aguardo daquelas reportagens especiais (e muito bacanas) sobre os personagens desaparecidos da franquia, que você prometeu na matéria sobre o Billy.
Abraços e sucesso!!
Excelente matéria, jogo RE desde o primeiro game, e sou um grande fã tanto dos games quanto dos filmes. Achei que o texto ficou muito bacana mesmo. parabéns, cara.
Pois é. Depois de ler a matéria, percebi que a gente fala tanto mal da jogabilidade atual, sem pensar.
Sim, foi RE4 que deu um UP na série. Sem ele, não teríamos Resident.
Particularmente, eu acho que a Capcom não está errada de criar diversos tipos de jogabilidades nos jogos, em todas as plataformas modernas. O artigo afinal, indica que é para todo o tipo de jogador.
O que eu achei mais interessante, foi a parte em o Shady citou que a Capcom nunca esqueceu do verdadeiro RE.
Eu estava jogando RE4 esses dias, analisando bem, e vejo diversas referências a antigos jogos da série. Elevadores, portas abrindo devagar (caso você só aperte uma vez o X), Leon descendo a montanha (Chris em Code Veronica) e várias outras coisas.
Bem, cada um tem seu jogo favorito. E foi a idéia da Capcom isso. Então, eu acho que a gente não tem nada o que discordar.
Adorei o artigo
Mais uma matéria boa. Parabéns, shady.
CAPCOM maria vai com as outras…
se é foda inova sozinha não fica chupinhando.
RE se tornando em FPS em 3,2..
Excelente matéria!