A anatomia do terror em Resident Evil

A anatomia do terror em Resident Evil

A contracapa de Resident Evil convida os jogadores a encararem seus próprios medos. E foi justamente isso que milhares de jogadores fizeram em 1996, quando o título chegou às lojas como um dos primeiros games de terror do PlayStation, console da Sony lançado cerca de um ano antes.

Aproveitando-se de técnicas cinematográficas e da visão vanguardista de Shinji Mikami e sua equipe de produção, a Capcom criou uma pérola do horror nos games. Um título que viria a pavimentar o caminho de outros jogos semelhantes e fixar as primeiras bases do que seria toda uma geração de títulos que tem o horror como tema principal.

Mas como foi construído o terror de Resident Evil? Para responder a essa pergunta, podemos nos concentrar em cinco cenas clássicas do primeiro game da série e, a partir delas, encontrar as fundações que gravaram para sempre o game em nossas mentes e nos deixaram presos ao sofá por tantas horas. Além disso, também é possível perceber que tipo de mecanismos psicológicos são utilizados para despertar o medo que todos querem de volta na geração atual.

O cachorro e a janela

Esta cena, que acontece logo nos primeiros minutos de Resident Evil, é figurinha carimbada na maioria das listas de momentos mais assustadores dos video games. Ainda sem entender muito bem o que está acontecendo e com pouca munição, o jogador é surpreendido por trás pela aparição de um Cerberus, que surge do nada e ataca o personagem principal. Continuar fugindo é inútil, já que outra criatura salta bem à frente do jogador, encurralando-o e o obrigando a lutar.

Aqui, o medo aparece da maneira mais primitiva possível e é derivado do susto. Apesar de já estar envolvido em uma tensão constante gerada pelos momentos iniciais do título, o jogador é surpreendido por uma movimentação fora do comum e, daqui para a frente, passa a tomar cautela extra a cada passo dado. Surge, então, um sentimento de antecipação, afinal de contas, outras surpresas como esta podem estar esperando mais à frente e algo sempre parece estar prestes a acontecer.

O medo derivado de sustos ou coisas pulando no jogador, por si só, não é capaz de sustentar um título. Caso Resident Evil fosse baseado única e exclusivamente nesse aspecto — assim como muitos filmes e jogos por aí — ele provavelmente seria um título altamente datado. Uma vez terminado e conhecido, o usuário não saltaria mais da cadeira e jamais seria surpreendido. Apesar de básico, essa forma de horror também é extremamente simplória e tem curto prazo de validade.

O primeiro zumbi

A anatomia do terror em Resident Evil

Antes mesmo da cena do Cerberus na janela, porém, é que as coisas em Resident Evil começam a ficar interessantes e muito mais profundas. Após uma abertura em que o jogador é colocado na mesma posição do protagonista — encurralado e sem a mínima noção do que está havendo —, o primeiro zumbi aparece de forma nada repentina, mas é capaz de deixar o jogador aterrorizado.

O isolamento é um dos principais pavores do ser humano. Ninguém gosta de ficar sozinho e, e em uma situação de pânico extremo, a ajuda de outras pessoas é extremamente bem vinda. Entretanto, ali está você, frente a uma criatura assassina, e sem nenhum tipo de auxílio ou conhecimento. Pior ainda, desarmado, caso esteja jogando com Chris. O terror, aqui, vem do contexto e não necessariamente do zumbi que está prestes a atacar.

A sensação de solidão fica ainda pior à medida que a jogabilidade progride e o usuário percebe que nunca pode ser acompanhado de um parceiro. Barry, Rebecca ou até mesmo Wesker aparecem apenas como muletas do protagonista, ajudando-o apenas em momentos extremos ou sendo providenciais de alguma forma. São auxílios apenas temporários, e o usuário tem pleno conhecimento de que, bem em breve, estará sozinho novamente.

Câmera fixa, prisões e angústia

A anatomia do terror em Resident Evil

Resident Evil, apesar de ser um título tridimensional, possui um estilo de câmera bem peculiar, que não persegue o personagem e fica presa em um único ponto. Tal método, além de colocar o jogador em um ponto de observação cinematográfico, também limita seu campo de visão, impedindo que ele enxergue longe e, acima de tudo, evitando que ele veja o que está além da próxima esquina.

É aqui que a Capcom exibe uma de suas artimanhas mais geniais para a construção do terror. É seguro dizer que, em Resident Evil, além dos membros dos S.T.A.R.S., a própria mansão de Spencer é um dos personagens principais. E é justamente desse ambiente e do clima do local que é derivado todo o terror e suspense enfrentado pelo jogador. A música sombria e bem colocada apenas adiciona uma cereja no bolo.

A anatomia do terror em Resident EvilCair no senso comum é um erro grave para qualquer produção que tenha o terror como foco principal, pelo simples fato de que o medo, apesar de presente em todos nós, é meramente subjetivo. Aquilo que é terrivelmente assustador para mim pode não significar nada para você, e vice-versa. Basear o horror meramente nos inimigos seria um erro grave e uma armadilha fácil de se cair. É a conjuntura que causa o terror.

Além disso, é preciso contar com uma sutileza que é rara em filmes e games que se propõem a ser aterrorizantes. O que torna Resident Evil único (e bastante diferente até mesmo do segundo e terceiro game da série) é que a grande maioria dos elementos de composição do terror não está escancarado, e sim, colocado perante o jogador de forma discreta para deixá-lo sempre apreensivo e desconfortável.

A ideia, durante todo o tempo, não é apenas escapar e deixar a mansão de Spencer para trás, mas também buscar as causas de tudo aquilo. A composição do primeiro Resident Evil é capaz de atingir o jogador profundamente e mostra que, ao mesmo tempo que ele possui as armas para resolver o mistério, pode também estar sendo levado para a própria morte. É essa conjunção que mantém o usuário preso na frente da TV, em vez de simplesmente assustá-lo e fazê-lo correr para longe.

É daqui que vem, também, a ideia das salas de baú, locais seguros que, na verdade, são verdadeiras prisões para o personagem. Geralmente pequenos e sempre claustrofóbicos, estes ambientes não servem para deixar o jogador mais confiante, e sim, aparecem como uma área na qual o usuário pode se esconder do terror que o aguarda do lado de fora. Mais cedo ou mais tarde, porém, ele se verá obrigado a sair de lá e encarar tudo aquilo novamente.

Pervertendo o conhecido

Um dos aspectos mais fortes do horror é o medo do potencial, pois todos temem aquilo que não conhecem. Uma vez que ambientes, situações ou criaturas se tornam familiares e são enfrentadas, elas perdem grande parte de seu poder. Após algum tempo de jogo, o usuário começa a se sentir confiante novamente, depois de ter enfrentado tanta coisa. É hora de adicionar algo de novo à mistura.

No caso de Resident Evil, o agente de mudanças é a invasão da mansão de Spencer por Hunters. Ao transformar o ambiente, a Capcom destrói completamente toda noção de segurança obtida pelo usuário até então e faz com que ele, mais uma vez, tenha que andar com cautelas pelos corredores já explorados antes. O game se transforma quase que completamente e obriga o jogador a se reinventar.

Nada é puro e ninguém está seguro

Já se aproximando do final do game, o jogador é surpreendido com uma última cartada narrativa, de forma a criar um último momento de pânico extremo. Durante todo o tempo, o usuário jogou acreditando que seus parceiros também estavam vagando pela mansão de Spencer e poderiam aparecer em caso de perigo. Pouco antes de jogar o protagonista contra uma das criaturas mais poderosas do game, o roteiro destrói completamente essa concepção e mostra que mesmo este porto seguro também tem seus abalos.

A traição de Wesker e Barry mostra ao jogador que até mesmo aquilo que parece puro pode ser corrompido. Em uma visão micro, o protagonista é traído por aqueles em que confiava. Em um olhar macro, descobre que a força policial de Raccoon City, aquela que deveria proteger a cidade em caso de perigo, está envolvida diretamente no mal que assola o local. A virada na trama deixa uma única pergunta: em quem podemos confiar?

Apesar de armado e experiente nas dinâmicas de jogabilidade, o usuário volta a se sentir angustiado e enclausurado uma última vez. E é com este sentimento que ele termina o game, levando consigo a ideia de que nem é tão claro como pode parecer. A resposta para esta questão de confiança, porém, não é dada em momento algum.

Fontes

  • Horror Video Games: Essays on the Fusion of Fear and Play, de Bernard Perron
  • Zumbis – O Livro dos Mortos, de Jamie Russell
  • How to Make Fear, em EDGE

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Autor: Felipe Demartini Ver todos os posts de
Felipe Demartini (Evil Shady) trabalha com sites de Resident Evil desde 2000. É jornalista e descobriu nos games a melhor combinação entre trabalho e diversão.

23 Comentários em "A anatomia do terror em Resident Evil"

  1. hedrevil 26/11/2011 at 14:48 -

    Realmente o Primeiro Zumbi Deu Bastante Medo!

  2. marcos 26/11/2011 at 15:10 -

    Análise foda. Parabéns!

  3. Kinrpg 26/11/2011 at 17:03 -

    Posso jogar mil vezes… Sempre me assusto com aquele cachorro FDP.

  4. Elen 27/11/2011 at 12:49 -

    eu na primeira vez que eu joguei o Resident Evil 3 nemesis eu tremi e meu pai falando vai Elen anda logo vai ficar empacada ai,eu ainda não consegui o primeiro jogo mais quando eu vejo os videos no youtube eu fico feliz e sem medo quando aparece essas cenas…e show XD

  5. Elen 27/11/2011 at 12:51 -

    eu tenho o RE 3 mais ele está novinho mais parou de funcionar a imagem dele andou e a gravação foi junto,mais vou tentar recupera lo e um clássico igual essas cenas ai.

  6. José Mac 27/11/2011 at 16:39 -

    Realmente Resident Evil Remake é um jogaço, mas pra quem é fã mesmo da série até hj dá mt prazer revisitar o jogo do ps1!

  7. José Mac 27/11/2011 at 16:42 -

    Uma pergunta fora de hr: desculpa a ignorancia, mas como eu faço pra postar minha foto aqui???

    • -Evil Shady- 27/11/2011 at 21:04 -

      Faz uma conta no Gravatar.com e coloca sua foto lá. Se vc estiver logado, sua imagem vai aparecer nos sites.

    • José Mac 28/11/2011 at 12:21 -

      Valeu, Shady!

  8. Mario Pertile (pedimaisum) 28/11/2011 at 05:22 -

    O artigo que eu gostaria de ter escrito mas não consegui. Simplesmente perfeito. Certamente quando alguém me perguntar novamente porque eu gosto tanto do RE 1 enviarei este link.

    Terminei RE5 há poucos dias e aquilo pode ser qualquer coisa, menos RE. Ótimo jogo de ação mas não tem nem 10% da aura que o RE nos trouxe na década de noventa com seus poucos polígonos.

    Eu joguei a primeira vez em uma locadora, quando era guri, e fiquei simplesmente aterrorizado com o clima tenso que propôs o jogo, e passei uns bons dias sem entender o que estava sentindo depois de ver o primeiro zumbi.

    O único jogo recente (entenda-se depois de RE1) que me propôs o mesmo clima tenso foi Dead Space (que inclusive tem muitas referências ao RE1).

    Belo artigo. Agradeço muito por te-lo escrito. Sério.

  9. breno 29/11/2011 at 14:26 -

    concordo plenamente com o mario, RE5 é um excelente jogo de ação mas não proporciona aquele sentimento que senti quando joguei pela primeira vez na locadora o re2 e morri logo no inicio devido ao fato de já começar com muitos zumbis do seu lado então o cara me indicou começar pelo re1, sensação sem igual

  10. Darth Gama 29/11/2011 at 20:45 -

    Foi o primeiro game que eu vi rodando no PS1, foi o suficiente para que me fizesse comprar o console imediatamente. Pra mim o melhor da série, mesmo sabendo que a maioria prefere RE2…

  11. Hudson 04/12/2011 at 12:37 -

    Muito boa a Analise…

    Realmente… RE5 é bom…mas muito diferente das origens…. o RE 1 foi muito foda… é foda ate hoje joga-lo!!!

    Mario… joguei o Dead Space… mas nao me simpatizei muito pelo jogo… inclusive… estou parado na fase 9…e sem muita disposiçao de continuar..eheh… mas é legalzim, mas meio cansativo!

  12. ÁlvaroRicardo 10/12/2011 at 22:31 -

    Acho que todos concordam… O cachorro é o pior de TODOS!

  13. lara 06/03/2012 at 22:31 -

    joguei o re 1 aos 6 anos e tive uma semana se pesadelos por conta do zumbi e do ambiente
    kkkkkkk

  14. ChrisGamer :D 07/04/2012 at 03:14 -

    Os maiores sustos que eu levei foi quando os Hunters aparecem do nada e também do zombie que abre a porta quando você cai no buraco quando o Barry derruba a corda nusss que medo kkkkkkk

    A e também tem outra, eu zerei o jogo várias vezes, mas depois eu zerei de novo e vi uma nova cena da Rebbeca atacada por um Hunter e eu não espera por aqui-lo já que tinha zerado várias vezes daí ele pulou em cima de mim do nada e eu fiquei com medo que ele mata-se a Rebbecca … cara que medo kkkkkkkk

    Resident Evil 6 vai dar sustos também por que vai ser de noite, diferente do 5 que era de dia … mal posso esperar kkkk

  15. Paola 02/05/2012 at 22:24 -

    Eu joguei o Re1 eu tinha 4 anos o meu irmão já tinha me ensinado a jogar video game, dai quando ele comprou o Re ele falou bem assim:
    Quando o zumbi vir vc atira blz?
    Isso foi o que me deu mais medo O ZUMBI! kkkkkkkkkkkkk

  16. rescclp 03/05/2012 at 01:40 -

    Muito bom reler esse artigo. Pelo menos uma vez por mês eu jogo esse game. Acompanhado dessas informações então, fica muito melhor! Parabéns Felipe! =D

  17. PsicoHélder 22/05/2012 at 12:45 -

    Shady,era essa página que eu estava procurando ontem!!Consegui,por um colega de site,pode me indicar onde posso acessar estes dados técnicos?!

    Valeu.

    • -Evil Shady- 22/05/2012 at 14:21 -

      O REVIL tem, se não me engano… senão o GameFaqs com certeza.

      Essas páginas foram tiradas da estrutura do site pq não davam retorno. Foram pouquíssimos acessos em nove meses de site, o que não justificava o trabalho que dava pra ficar atualizando elas. Só pra vc ter uma noção, vc foi o primeiro a notar a falta delas, e elas estão fora do ar há alguns meses já.

  18. nome 19/09/2012 at 08:06 -

    Nossa, não sabia dessa matéria. Demais! lol (um pouco atrasado para comentar)

  19. WeskerChildrenProject 09/10/2012 at 19:32 -

    Concordo com o Mário,Resident Evil 5 realmente não tem nada de assustador como os primeiros Resident Evil…Aquilo era realmente bom,um dia eu joguei o Director´s Cut e depois tive a confirmação : os Resident Evil de hoje são RIDICULOS perto dos antigos